quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Fragmentos- história da Agatha



Para quem quiser acompanhar essa história desde o inicio segue os links 
Parte Um: http://bernardinicamila.blogspot.com.br/2014/07/fragmentos-historia-da-agatha-por.html
Parte Dois: http://bernardinicamila.blogspot.com.br/2014/08/fragmentos-historias-da-agatha-parte-2.html
Parte Três: http://bernardinicamila.blogspot.com.br/2014/08/fragmentos-historias-da-agatha-parte-3.html
         






"   Em noites estreladas, eu te vi. Tão cruelmente você me beijou. Seus lábios, um mundo mágico. Seu céu todo enfeitado de joias. A lua mortal. Virá, muito em breve."
               
                A noite seguinte Daniele despertou logo que o sol deixou o céu no poente. Seu costume era demorar um pouco mais para despertar, pois as horas que mais gostava de caminhar e caçar eram as horas que se seguiam na madrugada.  As ruas sempre mais desertas, as coisas ficavam mais fáceis e ela não precisava se preocupar em se esconder por beiras de esquinas. Adorava atormentar suas vitimas, gostava de vê-las a beira da loucura. Quanto mais medo conseguia impor nelas, mas excitação sentia. Mas essa noite seria diferente, ela não sairia para caçar e sim para andar entre as estações de metro de São Paulo. Seu destino era a estação da luz, onde encontraria o pianista que havia encantado Agatha e a feito pensar que homens podiam ser diferentes do que elas acreditavam ser. Segundo ela, o pianista era nobre, sentia amor único e tinha honra e caráter.  Daniele conhecia muito bem e sabia que os homens não eram assim, duvidava até mesmo que eles fossem capazes de ter sentimento como amor.
                Enquanto caminhava por entre as estações, vários olhares eram atraídos para a vampira que além de bela, usava de seus poderes para influenciar as pessoas a sua volta como magnetismo.  Estava vestida de forma simples, mas sensual, uma camisa branca decotada, que deixava a mostra parte dos seus seios; saia preta de cintura alta. Nos pés uma sandália também preta de salto gigante. Nos braços várias pulseiras douradas.  Elegante, charmosa e sensual. Sorria ao olhar para o grupo de adolescentes que a olhavam embasbacados para as pernas dela.  Era engraçado ver como eles reagiam a sua presença e os pensamentos que tinham a faziam ter uma vontade maior ainda de rir. Se não tivesse um dever a cumprir, ficaria mais um pouco por ali só para utilizar do seu poder de sedução para se divertir um pouco mais, porém já estava na estação da luz e precisava descer e ver se encontraria o pianista.
                Não demorou muito para que o encontrasse, ou melhor, o ouvisse tocar.  Mesmo na multidão ainda da plataforma pode ouvir a melodia do piano ao longe.  E reconheceu de imediato à música que ele tocava “The Phanton of the opera”.  Caminhou com as pessoas para chegar próximo de onde estava o piano e baixinho cantava acompanhando o som que ouvia:
                -In sleep, He sang to me.
                In dreams, he came..
                That voice, which calls to me
                And speaks my name...
                Da mesma forma que começou a cantar, parou. Congelada.  Sentiu uma pontada de angústia e nostalgia. A música em si não a lembrava de nada, mas a parte da letra em que dizia no sono ele cantava para mim fazia com que ela voltasse ao passado, há um século, uma eternidade atrás. De quando ainda era apenas uma criança e seu pai a embalava todas as noites no colo e cantava canções até a mesma adormecer. Uma gota de lágrima já estava prestes a cair quando Daniele percebeu que estava deixando emoções humanas a invadir. Imediatamente voltou a sua postura fria e cruel de sempre e voltou a caminhar até estar lado a lado com o pianista que ainda tocava. O primeiro que fez foi invadir seus pensamentos, queria saber o que ele sentia o que queria o que pensava enquanto tocava. Foi invadida pelas lembranças dele. Lembranças carregadas de amor e felicidade. Conseguiu até mesmo visualizar o rosto da mulher que o pianista amava. Todos seus pensamentos estavam voltados para ela, para o que ela o fazia sentir.  E todos aqueles sentimentos e lembranças na cabeça dele refletiam nos dedos ágeis e na paixão com que tocava o piano.  Ficou surpresa com aquele turbilhão de emoções que descobriu no homem a sua frente. Mas sabia que ele deveria ter uma fraqueza, um ponto em que tudo o que ele sentia seria esquecido e resolver começar a testar suas habilidades. Afinal não estava ali para apreciar músicas bonitas e sim provar para a Agatha que elas deveriam continuar na busca de vingança.
                Hipnotizou o pianista por um instante e ele perdeu o fio da meada e parou de tocar. Como se por alguns segundos tivesse esquecido quem era ou o que estava fazendo ali. Com sua mente presa na dele sussurrou de forma baixa mais que sabia que ele a escutaria:
                -Olhe para mim.
                Ele levantou os olhos e percorreu o olhar na direção das pessoas que o olhavam tocar, algumas o aplaudiam , incentivando para que ele continuasse a melodia.  Seu olhar foi de encontro ao da vampira e os olhares se sustentaram por alguns segundos. Mas logo ele voltou ao piano e já iniciava uma nova música como se nada o afetasse. Daniele sentiu uma fúria descontrolada. Como ele podia ter perdido o interesse por ela em segundos? Aliás, nem houve interesse porque mesmo quando ele a olhava sua cabeça estava na mulher, Camile. Sim Agatha tinha mencionado o nome, mas estava estampando na mente dele.  Como se nada mais no mundo existisse, como se para ele nada mais importasse. Nunca tinha falhado antes, nunca nenhum homem havia resistido aos seus encantos. Todos eram atraídos para ela daquela forma! Sua beleza e seus poderes eram capazes de enlouquecer qualquer um. Muitos se ajoelhavam aos seus pés.  Mas isso não ficaria assim, de uma forma ou de outra ela conseguiria corromper aquele homem. Descobrir suas fraquezas e atacar. Ficou observando, esperando até que finalmente ele se cansou de tocar e decidiu que já estava na hora de ir para casa.
                Assim que teve oportunidade de ficar a sós com ele em uma rua, resolveu tentar de novo:
                -Ei moço.
                O pianista parou de caminhar e virou-se para ela e de forma cordial e educada a respondeu:
                -Pois não, em que posso ajudar?
                -Eu o ouvi tocando hoje mais cedo e eu gostaria de saber qual o seu nome...
                -Acho que isso não lhe convém.
                Daniele fixou seu olhar nele e disse:
                -Diga agora.
                -Douglas.
                Douglas ficou surpreso em se ouvir respondendo, mas parecia que alguma força estranha havia entrado na sua mente e o obrigado a escrever. Achou estranho, pois já era a segunda vez naquela noite que sua mente tinha um colapso. Mas logo afastou as ideias estranhas e imaginou que fosse somente cansaço. Bobagem achar que tudo tinha algo de estranho, mas era assim mesmo que funcionava o cérebro de um escritor. Sempre imaginando cenas, lugares e situações.
                -Bom senhora agora se me dá licença tenho que continuar meu caminho. Boa noite.
                -Não! Eu me encantei em vê-lo tocar e gostaria de conhecê-lo melhor, conhecer de onde vem tanta nobreza. Aceita uma bebida? Eu pago!
                -Escute aqui senhora é melhor dizer logo de uma vez o que deseja. Não tenho tempo para isso.
                -Eu desejo você!
                -Meu Deus, você é maluca.
                Daniele colou uma das mãos na cintura e com um gesto impaciente disse:
                -Sou feia para você nobre cavalheiro? –Falou isso de forma sarcástica, mas na verdade estava impressionada como aquele homem se mantinha firme em sua postura. Só queria entender porque seus poderes não surtiam efeito nenhum sobre ele.
                Douglas suspirou irritado, estava cansado daquele papo com aquela maluca. Queria somente chegar em casa e receber o abraço carinhoso de sua mulher e escrever. Estava no momento escrevendo um livro sobre vampiros. Mitos e verdades sobre esses seres. Claro que acreditava que tudo era mito, mas sempre havia loucos no mundo para acreditar na existência de qualquer coisa.
                -Não, você não é feia!
                -Então?
                Eles nem perceberam que um mendigo ouvia todo o diálogo deles, só notado quando o mesmo bêbado se aproximou e disse:
                -Liga não gostosa! Ele não te quer, mas eu quero. Vem com o titio aqui!
                Daniele irritada esqueceu os seus propósitos e deixou as presas aparecerem, seus olhos começaram a queimar como duas labaredas vindas do próprio inferno. Suas unhas cresceram, ficando pontiagudas como uma arma e gritou:
                -Claro que vou com você seu filho da mãe maldito!
                O mendigo assustado cambaleou para trás e acabou caindo logo em seguida pois não estava em condições de correr devido à bebida que havia ingerido. A vampira o segurou e encravou suas unhas afiadas na garganta dele fazendo com que o sangue jorrasse. O cheiro a inebriou e a vontade de saciar sua sede começou a se apoderar. Estava descontrolada. Foi então que escutou passos correndo e olhou para o pianista. Ele corria e já estava quase no fim da rua. Largou o pobre homem no chão sangrando e com sua velocidade alcançou Douglas em segundos.
                -Aonde vai?
                Ele se assustou mais parou de correr e disse:
                - O que é você?
                -Sou seu pior pesadelo, sou uma vampira. Mas ao contrário dos personagens que escreve no seu livro sou real. Muito real.
                -E o que quer de mim?
                -Quero que me ame, assim como ama essa Camile e que a esqueça. Venha viver comigo e eu te darei a eternidade.
                Daniele se espantou com sua própria resposta, mas ela nunca tinha encontrado um homem assim e o queria muito ao lado dela.  E se ele aceitasse sua proposta, além de tê-lo como amante, provaria a sua pupila que ela estava enganada. Que todos os homens podiam ser ludibriados de uma forma ou outra.
                -A eternidade para mim não teria sentido sem minha amada Camile! Não quero sua oferta e prefiro morrer a aceitá-la.
                A vampira gargalhou, uma risada fria e cruel. Olhou para o céu e viu a lua cheia que brilhava. Seria a última noite de lua cheia.
                -Meus avós diziam pianista que a última noite de lua cheia, temos que tomar cuidado com nossos desejos e vontades, pois eles podem se tornar reais. Podem se tornar uma maldição. Será que você realmente prefere a morte? A morte tem muitas portas, muitos caminhos e formas dolorosas de te encontrar.
                -O que quer dizer?
                -Por ora nada, pode ir embora para o seu lar e seu amor. Mas não esqueça cuidado com seus desejos e cuidado para que eles não se transformem no seu pior medo.
                Daniele desapareceu no ar como por encanto, ainda rindo. Causando calafrio no pianista. Porém segundos depois sua mente esvaziou e ele não se lembrava de nada que havia acontecido. Nem de como tinha chegado ali. Caminhou apressado para sua casa e no fim da rua em que estava notou um bêbado caindo ao chão. Pensou em ajudar, mas algo dizia que tinha que chegar logo na sua casa. Ansiedade era tudo o que sentia.
                Quando chegou Camile já estava dormindo e ele ligou seu computador para escrever, mas só conseguiu escrever uma frase e deixou salva para ver o que faria com ela depois: “Cuidado com o que se deseja, entre desejo e maldição existe uma linha tênue e fina”.

domingo, 24 de agosto de 2014

Fragmentos- histórias da Agatha- parte 3




                Em noites estreladas, eu te vi. Tão cruelmente você me beijou. Seus lábios, um mundo mágico. Seu céu todo enfeitado de joias. A lua mortal. Virá, muito em breve.




                O manto da noite mais uma vez caia sobre a terra, com sua beleza gloriosa e o céu prateado de estrelas e uma lua cheia esplendorosa. Agatha lentamente começou a despertar, se espreguiçou, deixando seu lençol de seda escarlate cair sobre o chão. Vestia uma camisola vermelha de renda, com algumas partes transparentes.  Olhou para o teto do seu quarto, onde havia um grande espelho e se admirou por uns instantes. Sua pele branca com o vermelho dava um contraste bonito de se ver. Lembrou-se dos livros que lia, onde dizia que vampiros não tinham a imagem refletida no espelho. Mas uma lenda, balela. Tão diferente do real.  Estava cansada de ficar isolada e decidiu que essa noite sairia se não fosse para caçar ao menos para observar as pessoas e seus hábitos noturnos.
                Na suíte do seu quarto deixou a banheira encher de água e espuma e se afundou nela. O contato de sua pele fria, sempre fria e gélida lhe causava prazer.  Após um banho demorado e de se arrumar de forma simples, saiu da sua casa sem avisar seu criado. Sem destino, decidiu andar pelos metros e trens de São Paulo. E acabou descendo na estação da luz, que apesar do horário continuava movimentada. E foi na aglomeração de pessoas, que seus ouvidos apurados ouviram a doce melodia de um piano. Fechou os olhos para sentir a música, e podia notar que quem quer que fosse estava tocando com paixão. Com amor. Começou andar devagar e foi de encontro ao piano. O mesmo estava em um canto da estação. E nele havia um homem que tocava.  Tinha o corpo forte, moreno, cabelos encaracolados. O homem tocava de uma forma tão bonita. Como se só existisse ele e o piano ali. Como se nada mais existisse, nada mais fizesse sentido. Ele sequer olhava para algumas mulheres que suspiravam ao seu redor, o ouvindo tocar. A vampira ficou intrigada. Aliás, tudo a intrigava nos últimos tempos. Aproximou-se também e tentou usar do seu poder e magnetismo para que ele a olhasse, ele a notasse e a desejasse como todos os homens.  Sim, sabia que isso aconteceria, e ela o mataria assim que notasse o mínimo desejo no olhar dele. Estava com raiva, e os dias que passou reclusa em sua casa a deixaram com fome.  O homem, porém apenas a olhou de soslaio e continuou a tocar como se nem a tivesse visto. Agatha ficou surpresa, seus poderes não estavam funcionando. Mas porque não estaria? Olhou ao redor e viu que outros homens a notavam com aquela cara de cobiça maldita. Como se ela fosse apenas mais um pedaço de carne. Mas ela não deu atenção a ele. Queria saber mais quem era aquele misterioso pianista. E ficou ali o vendo tocar.
                Após algumas horas o homem se levantou e pegou o metro. Ela podia ler os pensamentos dele. Estava ansioso para chegar em casa e contar para a sua esposa que a editora havia aprovado seu livro. Sim, realizaria um sonho e sua esposa sempre esteve do seu lado, o incentivando a seguir seu sonho. Era natural que ela fosse à primeira á saber. Camile era sua fonte de inspiração, o motivo que o fazia se levantar todos os dias e continuar. Mas algo estava errado, como um homem podia estar pensando em uma mulher com todo aquele amor? Com honra e caráter, amor assim sempre fora coisa das histórias da Disney, não existia príncipe encantando. Automática lembrou-se de Gabriel e do seu sorriso de menino e alma pura.
                Agatha sabia que tudo que conheceu sobre os homens, foram coisas que Daniele passou para ela, mas não podia esquecer o asqueroso que havia tentado estuprá-la.  Mas será que por causa de alguns monstros tinha o direito de generalizar todos que encontrava no caminho?
                Seguiu o homem até sua casa e ficou em um canto observando a mulher que o recebia na porta de braços abertos, sorrindo e feliz. Os dois falavam baixo, mas isso não era problema para ela. Ele não aguentou esperar e contou ali na porta mesmo que fora aprovado e ela sorria e dizia palavras carinhosas de incentivo para ele.  Camile pediu para que ele entrasse e tocasse para ela um pouco do piano. Agatha ainda ficou um tempo parada ouvindo a doce melodia. Definitivamente estava enlouquecendo, precisava compartilhar com Daniele suas descobertas. Mostrar que estavam erradas e que não podiam matar todos os homens que viam pela frente. Muito deles tinham família, que esperavam ansiosas pelo regresso deles ao lar. Muitos deles sentiam amor. Sim, falaria com sua mentora. Tinha certeza que se mostrasse o pianista para ela as coisas mudariam. Não entendia muito do passado de Daniele e o porquê ela odiava tantos os homens, mas tinha certeza que ela não se recusaria a mudar sua forma de enxergar se visse um home com honra a sua frente.
                Agatha saiu de lá e foi mais para o centro, próximo ao Anhangabaú, onde sabia que a encontraria. E de fato a encontrou sentada em uma mesa de bar com quatro garotos. Todos não aparentavam ter mais de vinte anos.  Jovens, mas usuários de drogas, pelo que ela podia sentir.
                Daniele parou de rir e flertar com os garotos na mesa quando sentiu presença dela, e sentiu também a mente confusa. A mesma de dias atrás quando foi visitá-la e Agatha quebrava tudo em sua sala. A olhou e com a mão fez um gesto para que ela fosse até a mesa com eles. Agatha não queria jogos, mas também sabia que precisava falar com sua mentora e a única forma era entrando no jogo dela.  Caminhou até a mesa, puxou uma cadeira e sentou:
                -E ai garotos, qual a boa?
                Eles riram, e um deles que parecia o mais engraçadinho e também o primeiro a morrer de overdose ali, disse:
                - A boa é você gata! Muito gostosa.
                Agatha riu sem interesse e olhou para Daniele:
                -Preciso falar com você, é importante!
                -Mas agora?
                -Sim!
                -Ok, vamos para um lugar mais reservado então. Garotos já voltamos, não morram antes disso.  Seria uma pena!
                As duas caminharam pelas ruas do centro e quando estavam perto das escadarias da Catedral da Sé, sentaram.  A noite estava quente, carregada. As duas se entreolharam e Daniele disse:
                -Vamos ficar a noite toda em silêncio, ou você me dirá o que está acontecendo desde aquela vez em que fui te visitar?
                -Acho que nós estamos erradas sobre a nossa ideologia sobre homens!
                -Oi?
                - Hoje estava caminhando pelas estações de metrô, quando ouvi o som de um piano. Senti-me atraída pela música e fui até o pianista. Tentei usar dos meus poderes para que ele me notasse, me desejasse. Mas não funcionou.
                -E por que não consegue usar seus poderes, acha que estamos erradas?
                - O segui até sua casa e ouvi seus pensamentos, meus poderes não surtiram efeito por que ele ama uma única mulher e nada no mundo o fará perder esse amor. Ele só pensava nela, tinha o desejo de voltar para casa e se perder nos braços dele. Ele ama, ele pode amar.
                -Minha querida, ele pode até amar, mas tenho certeza que como todos os homens, se uma mulher se jogar em cima dele, na mesma hora esquecerá-se da outra que o aguarda em casa. Os homens são assim.
                -E por que meu poder não funcionou sobre ele?
                -Por quê? Faz dias que esta trancada, se alimentado apenas de sangue morto e velho. Esta fraca! Faz assim me leve até esse homem, e verá como o que digo tem razão.
                -Não, você vai matá-lo.
                Daniele ficou impaciente e segurou Agatha pelo braço:
                -Desde quando sente dó de homens? Já esqueceu o que fizeram com você? E do que te salvei?
                -Não, não esqueci, mas nem todos precisam ser iguais.
                A mentora suavizou a expressão e acariciou o rosto de Agatha, passou os dedos pelo contorno dos lábios dela, e foi descendo pelo pescoço, colo, até chegar ao seio. E abruptamente parou.
                - Minha querida entendo que a eternidade nos traz muito tempo para questionar, filosofar, entre tantas outras coisas. E entendo que pensar é uma arma perigosa que nos confunde e nos ilude, acabamos nos permitimos acreditar no mundo que gostaríamos que existisse.  Mas não é assim. Me leve até esse homem, e eu te mostrarei que está errada. Mas o deixarei vivo. Tudo bem?
                Agatha apenas balançou a cabeça concordando e disse para Daniele onde ela o encontraria.
                -Agora voltarei para os meus garotos! Quer se juntar a nós?
                -Não, pode ir!
                A mentora controlou o impulso de pegar Agatha pelo pescoço e obrigá-la a ir. Na próxima noite iria até o pianista misterioso e o seduziria. Tinha certeza que depois disso sua vampira tiraria aquelas ideias insanas de amor da cabeça. Mas no momento só queria voltar à mesa do bar e saciar sua sede com aqueles quatro garotos inúteis, que deixou esperando.

Fragmentos - histórias da Agatha- parte 2 por Camila Bernardini

Para quem não leu a primeira parte, segue link http://bernardinicamila.blogspot.com.br/2014/07/fragmentos-historia-da-agatha-por.html
. E para quem leu espero que gostem da segunda parte.



            



    “O destino. Contra sua vontade. Para o que der e vier. Ele esperará até que você se entregue a ele.”

                Logo amanheceria e Agatha estava trancada em seu quarto, após pedir para que seu criado mais uma vez limpasse todo o vidro estilhaçado da cristaleira que havia quebrado. Dispensou Daniele, pois queria ficar sozinha, não estava a fim de conversar com ela sobre mais teorias malucas de vingança e morte.  Estava cansada de jogos, de morte e de sua sede de sangue. Queria se permitir viver outras coisas. Passará metade da sua eternidade caçando, se vingando.  Não podia negar que o prazer que sentia ao acabar com vítimas era avassalador, mas desde que conhecera Gabriel alguma coisa tinha mudado. Ele era apenas um garoto de vinte e dois anos que conhecerá uns meses atrás.  Era para ter sido mais uma de suas vítimas mais simplesmente não tinha conseguido matá-lo.
                Foi mais uma dessas noites que saiu para caçar. Agatha escolheu uma casa noturna que tocava rap e black, gêneros musicais que não apreciava muito. Mas estava cansada das baladas rotineiras, e dos adolescentes que se vestiam como vampiro e desejavam ser um.  Mal eles sabiam que viver pela eternidade era de fato uma maldição a ser carregada. Algo doloroso, um verdadeiro fardo para carregar.  Aquele mundo charmoso vampiresco era somente em filmes e livros. Na vida real era bem diferente. Viver anos a fio, ver pessoas envelhecer, matar para sobreviver, se privar do sol, solidão, essas sim eram características perfeitas de ser imortal.
                A vampira estava um pouco incomodada com a música mais até que o ambiente não era de todo ruim. Foi até o bar pedir uma bebida, para parecer um pouco normal. Riu sozinha ao pensar isso. Como se as pessoas hoje em dia rotulassem tanto o que parecia normal e o que não parecia. Enquanto aguardava sua bebida notou um garoto encostado no balcão.  Observou ele por alguns instantes, era magro, pele morena escura, olhos castanhos claros. Era tão garoto. Tinha até mesmo um invadiu sorriso meio infantil. Mas tinha um charme. Ela invadiu os pensamentos dele mas não conseguia captar muita coisa, mas sentia uma energia alegria, brincalhona e feliz. Nem notou que já o encarava por alguns minutos. Só percebeu quando seu olhar cruzou com o dele, e os dois sorriram um para o outro. Naquela hora sabia que se ainda fosse viva e tivesse um coração para bombear corpo por suas veias ficaria vermelha. Uma vampira vermelha mais que tolice.
                Saiu do balcão e decidiu ir para fora da balada, andar pelas ruas. Encontrar alguma vítima pelos becos mesmos. Estava com preguiça de fazer seus jogos de sedução. Ia começar a caminhar quando sentiu a presença e o perfume dele. Olhou para trás e notou que ele também estava na rua. E a olhava, com um misto de curiosidade e ao mesmo tempo achando a situação engraçada. Esperou alguns instantes para ver se ele falaria alguma coisa. Não falou nada, apenas continuou a encarando. Agatha então se virou e começou a caminhar. Foi surpreendida com o grito dele:
                -Ei espera!
                Ela virou novamente e o encarou. Sentiu vontade de correr e não se aproximar sabia que ele acabaria sendo a sua vítima daquela noite. Mas não queria que ele acabasse daquela forma, tinha uma energia tão vívida. Tão forte.  Mas antes que pudesse ignorá-lo e continuar em seu destino, ele já estava próximo de mais. Tinha um cheiro bom, uma fragrância amadeirada e ao mesmo tempo um cheiro único. Lançou a ele um olhar indagador.
                -Desculpa, te vi no balcão do bar e logo em seguida vi você saindo. Deixou seu copo de bebida no balcão sem ao menos beber um gole. Preocupei-me e resolvi ver se estava tudo bem.
                -Resolveu foi?
                -Sim, me desculpa por tanto mimimi.
                Agatha riu e aquela risada seria a primeira daquela noite.
                -Então?
                -Estou bem, só não estava gostando das músicas.
                -Entendi, mas existem muitos raps bons.
                -Sei lá, acho pouco provável eu gostar.
                Agatha estava em alerta, pensando no que estava fazendo, conversando sobre música com um garoto humano. O que ela estava pensando. Ficou distraída por um tempo e viu que ele continuava parado olhando para ela.
                -O que foi? Já não falei que estou bem? Agora pode voltar para lá e se divertir com seus amigos. Tem amigos lá te esperando não?
                -Meu nome é Gabriel e o seu?
                -Agatha.
                -Ei posso andar com você?
                Quando Agatha percebeu, já tinha dito sim para ele e os dois conversaram a noite toda. Gabriel era engraçado, inteligente, falava de todos os assuntos, sem medo e sem pudor de dar sua opinião sobre os assuntos. A vampira não entendia como seu poder de deixar as pessoas próximas a ela desnorteadas não causava efeito nenhum nele. Isso a intrigava, e o que mais a intrigava ainda era o fato de estar se divertindo tanto que parecia uma mortal normal com sentimentos e vontades humanas. E foi nessa hora que sentiu medo e confusão e que também se lembrou dos motivos pelos quais se tornará vampira. Ele era homem e não podia se dar ao luxo de confiança. E mesmo que pudesse nas suas condições e sua maldição, não podia se permitir ter amigos. O caminho que tinha que trilhar era só.  Seu destino desde que fora mordida. E não podia fugir do destino.  Como para ressaltar isso escutou um choro e um pedido de socorro, vindo de um prédio próximo a rua que caminhava. Claro que o garoto não ouvira nada, pois não tinha a audição ampla como a dela de vampira.
                Olhou para ele e sorriu mais uma vez.
                -Escuta, preciso ir agora, mas obrigada por passar a noite caminhando comigo.
                -Gostei muito de conversar com você também. Me passa seu telefone para que a gente se encontre por ai, qualquer dia desses.
                -Não.
                -Por quê?
                Agatha ia responder, mas os gritos e pedido de socorro estavam mais constantes, para não demorar acabou passando o número para ele e para sua surpresa o número certo. Sim estava enlouquecendo. Só podia ser isso.
                Esperou ele se afastar pelas ruas e quando viu que ninguém mais a observava escalou o prédio, até chegar à janela de onde os gritos vinham. Quebrou o vidro da janela com apenas um murro e entrou.  Ficou horrorizada com a cena que viu.  Uma mulher amarrada no sofá, completamente nua e dois homens a torturando. Olhou aquilo com verdadeiro ódio e nojo e mais uma vez voltou a sua realidade. O Gabriel e as horas que passou ao lado dele já pareciam distantes, vividas em outros séculos. Enquanto sua fúria era despertada, deixou suas presas afiadas crescerem e em um sussurro disse:
                -Boa noite! Não me convidaram para a festa?
                Os dois homens se sobressaltaram assustados.  Um deles fez até o sinal da cruz como quem havia acabado de ver um fantasma, ou pior que fantasma. Pois a mulher na frente deles parecia um demônio com olhos que pareciam duas labaredas em chamas, e presas pontiagudas saindo dos lábios. O corpo era de uma mulher normal e bela. Ela vestia uma saia de sarja do exercito e uma blusa branca tomara que caia.
                -Se não fosse um demônio, eu até te comeria belezura! – um dos homens mesmo com medo gracejou.
                Agatha correu até ele e o segurou pela camisa, o pendurando no ar. Viu que ele tremia de medo e seus olhos estavam apavorados.
                -Na verdade, você é a comida aqui. Mas é tão nojento que pode causar indigestão.
                Soltou-o, o deixando cair no chão fazendo um pequeno baque. Ela abaixou e olhou para ele uma última vez, com suas duas mãos o segurou pela cabeça e com um movimento rápido e preciso girou a cabeça dele cento e oitenta graus, deixando o corpo já sem vida tombar de vez no chão.
                Levantou para cuidar do segundo e notou que ele tremia em um canto escuro da sala, sentiu o cheiro de urina e gargalhou.
                -Está com medinho valentão?
                E antes que ele pudesse responder foi até ele e cravou suas presas em sua jugular. Sugando todas as gotas daquela vida miserável. Os dois homens estavam mortos, soltou a mulher e com seus poderes hipnóticos fez com que ela se acalmasse e fez com que a mulher achasse que tudo tivesse sido um pesadelo. Livrou-se dos corpos e saiu para o fim da noite. Tinha que se apressar para um dos seus esconderijos, pois logo amanheceria. Sabia que Daniele reprovaria ao saber que ela não tinha transformado a mulher em vampira. Mas estava farta daquilo. Farta daquele destino miserável.  
                E mesmo sendo estranho sentiu saudade do inicio da sua noite e daquele menino.  Talvez nem todos os homens de fato fossem monstros. Talvez tivesse alguns poucos com alguma bondade, alguns que ainda não tivessem sido corrompidos pela própria espécie chamada humanidade.
                Agatha voltou à realidade do seu quarto, e viu que mais uma vez tinha mergulhado na lembrança da noite em que conhecerá aquele menino. Pegou seu celular e olhou, mas ele não tinha ligado. Ou mandando mensagem. Talvez fosse melhor assim.
                O destino muitas vezes era cruel e por mais que se tentasse fugir, acabamos sempre caindo em seus braços.