domingo, 24 de agosto de 2014

Fragmentos- histórias da Agatha- parte 3




                Em noites estreladas, eu te vi. Tão cruelmente você me beijou. Seus lábios, um mundo mágico. Seu céu todo enfeitado de joias. A lua mortal. Virá, muito em breve.




                O manto da noite mais uma vez caia sobre a terra, com sua beleza gloriosa e o céu prateado de estrelas e uma lua cheia esplendorosa. Agatha lentamente começou a despertar, se espreguiçou, deixando seu lençol de seda escarlate cair sobre o chão. Vestia uma camisola vermelha de renda, com algumas partes transparentes.  Olhou para o teto do seu quarto, onde havia um grande espelho e se admirou por uns instantes. Sua pele branca com o vermelho dava um contraste bonito de se ver. Lembrou-se dos livros que lia, onde dizia que vampiros não tinham a imagem refletida no espelho. Mas uma lenda, balela. Tão diferente do real.  Estava cansada de ficar isolada e decidiu que essa noite sairia se não fosse para caçar ao menos para observar as pessoas e seus hábitos noturnos.
                Na suíte do seu quarto deixou a banheira encher de água e espuma e se afundou nela. O contato de sua pele fria, sempre fria e gélida lhe causava prazer.  Após um banho demorado e de se arrumar de forma simples, saiu da sua casa sem avisar seu criado. Sem destino, decidiu andar pelos metros e trens de São Paulo. E acabou descendo na estação da luz, que apesar do horário continuava movimentada. E foi na aglomeração de pessoas, que seus ouvidos apurados ouviram a doce melodia de um piano. Fechou os olhos para sentir a música, e podia notar que quem quer que fosse estava tocando com paixão. Com amor. Começou andar devagar e foi de encontro ao piano. O mesmo estava em um canto da estação. E nele havia um homem que tocava.  Tinha o corpo forte, moreno, cabelos encaracolados. O homem tocava de uma forma tão bonita. Como se só existisse ele e o piano ali. Como se nada mais existisse, nada mais fizesse sentido. Ele sequer olhava para algumas mulheres que suspiravam ao seu redor, o ouvindo tocar. A vampira ficou intrigada. Aliás, tudo a intrigava nos últimos tempos. Aproximou-se também e tentou usar do seu poder e magnetismo para que ele a olhasse, ele a notasse e a desejasse como todos os homens.  Sim, sabia que isso aconteceria, e ela o mataria assim que notasse o mínimo desejo no olhar dele. Estava com raiva, e os dias que passou reclusa em sua casa a deixaram com fome.  O homem, porém apenas a olhou de soslaio e continuou a tocar como se nem a tivesse visto. Agatha ficou surpresa, seus poderes não estavam funcionando. Mas porque não estaria? Olhou ao redor e viu que outros homens a notavam com aquela cara de cobiça maldita. Como se ela fosse apenas mais um pedaço de carne. Mas ela não deu atenção a ele. Queria saber mais quem era aquele misterioso pianista. E ficou ali o vendo tocar.
                Após algumas horas o homem se levantou e pegou o metro. Ela podia ler os pensamentos dele. Estava ansioso para chegar em casa e contar para a sua esposa que a editora havia aprovado seu livro. Sim, realizaria um sonho e sua esposa sempre esteve do seu lado, o incentivando a seguir seu sonho. Era natural que ela fosse à primeira á saber. Camile era sua fonte de inspiração, o motivo que o fazia se levantar todos os dias e continuar. Mas algo estava errado, como um homem podia estar pensando em uma mulher com todo aquele amor? Com honra e caráter, amor assim sempre fora coisa das histórias da Disney, não existia príncipe encantando. Automática lembrou-se de Gabriel e do seu sorriso de menino e alma pura.
                Agatha sabia que tudo que conheceu sobre os homens, foram coisas que Daniele passou para ela, mas não podia esquecer o asqueroso que havia tentado estuprá-la.  Mas será que por causa de alguns monstros tinha o direito de generalizar todos que encontrava no caminho?
                Seguiu o homem até sua casa e ficou em um canto observando a mulher que o recebia na porta de braços abertos, sorrindo e feliz. Os dois falavam baixo, mas isso não era problema para ela. Ele não aguentou esperar e contou ali na porta mesmo que fora aprovado e ela sorria e dizia palavras carinhosas de incentivo para ele.  Camile pediu para que ele entrasse e tocasse para ela um pouco do piano. Agatha ainda ficou um tempo parada ouvindo a doce melodia. Definitivamente estava enlouquecendo, precisava compartilhar com Daniele suas descobertas. Mostrar que estavam erradas e que não podiam matar todos os homens que viam pela frente. Muito deles tinham família, que esperavam ansiosas pelo regresso deles ao lar. Muitos deles sentiam amor. Sim, falaria com sua mentora. Tinha certeza que se mostrasse o pianista para ela as coisas mudariam. Não entendia muito do passado de Daniele e o porquê ela odiava tantos os homens, mas tinha certeza que ela não se recusaria a mudar sua forma de enxergar se visse um home com honra a sua frente.
                Agatha saiu de lá e foi mais para o centro, próximo ao Anhangabaú, onde sabia que a encontraria. E de fato a encontrou sentada em uma mesa de bar com quatro garotos. Todos não aparentavam ter mais de vinte anos.  Jovens, mas usuários de drogas, pelo que ela podia sentir.
                Daniele parou de rir e flertar com os garotos na mesa quando sentiu presença dela, e sentiu também a mente confusa. A mesma de dias atrás quando foi visitá-la e Agatha quebrava tudo em sua sala. A olhou e com a mão fez um gesto para que ela fosse até a mesa com eles. Agatha não queria jogos, mas também sabia que precisava falar com sua mentora e a única forma era entrando no jogo dela.  Caminhou até a mesa, puxou uma cadeira e sentou:
                -E ai garotos, qual a boa?
                Eles riram, e um deles que parecia o mais engraçadinho e também o primeiro a morrer de overdose ali, disse:
                - A boa é você gata! Muito gostosa.
                Agatha riu sem interesse e olhou para Daniele:
                -Preciso falar com você, é importante!
                -Mas agora?
                -Sim!
                -Ok, vamos para um lugar mais reservado então. Garotos já voltamos, não morram antes disso.  Seria uma pena!
                As duas caminharam pelas ruas do centro e quando estavam perto das escadarias da Catedral da Sé, sentaram.  A noite estava quente, carregada. As duas se entreolharam e Daniele disse:
                -Vamos ficar a noite toda em silêncio, ou você me dirá o que está acontecendo desde aquela vez em que fui te visitar?
                -Acho que nós estamos erradas sobre a nossa ideologia sobre homens!
                -Oi?
                - Hoje estava caminhando pelas estações de metrô, quando ouvi o som de um piano. Senti-me atraída pela música e fui até o pianista. Tentei usar dos meus poderes para que ele me notasse, me desejasse. Mas não funcionou.
                -E por que não consegue usar seus poderes, acha que estamos erradas?
                - O segui até sua casa e ouvi seus pensamentos, meus poderes não surtiram efeito por que ele ama uma única mulher e nada no mundo o fará perder esse amor. Ele só pensava nela, tinha o desejo de voltar para casa e se perder nos braços dele. Ele ama, ele pode amar.
                -Minha querida, ele pode até amar, mas tenho certeza que como todos os homens, se uma mulher se jogar em cima dele, na mesma hora esquecerá-se da outra que o aguarda em casa. Os homens são assim.
                -E por que meu poder não funcionou sobre ele?
                -Por quê? Faz dias que esta trancada, se alimentado apenas de sangue morto e velho. Esta fraca! Faz assim me leve até esse homem, e verá como o que digo tem razão.
                -Não, você vai matá-lo.
                Daniele ficou impaciente e segurou Agatha pelo braço:
                -Desde quando sente dó de homens? Já esqueceu o que fizeram com você? E do que te salvei?
                -Não, não esqueci, mas nem todos precisam ser iguais.
                A mentora suavizou a expressão e acariciou o rosto de Agatha, passou os dedos pelo contorno dos lábios dela, e foi descendo pelo pescoço, colo, até chegar ao seio. E abruptamente parou.
                - Minha querida entendo que a eternidade nos traz muito tempo para questionar, filosofar, entre tantas outras coisas. E entendo que pensar é uma arma perigosa que nos confunde e nos ilude, acabamos nos permitimos acreditar no mundo que gostaríamos que existisse.  Mas não é assim. Me leve até esse homem, e eu te mostrarei que está errada. Mas o deixarei vivo. Tudo bem?
                Agatha apenas balançou a cabeça concordando e disse para Daniele onde ela o encontraria.
                -Agora voltarei para os meus garotos! Quer se juntar a nós?
                -Não, pode ir!
                A mentora controlou o impulso de pegar Agatha pelo pescoço e obrigá-la a ir. Na próxima noite iria até o pianista misterioso e o seduziria. Tinha certeza que depois disso sua vampira tiraria aquelas ideias insanas de amor da cabeça. Mas no momento só queria voltar à mesa do bar e saciar sua sede com aqueles quatro garotos inúteis, que deixou esperando.

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