Em noites estreladas, eu te vi. Tão cruelmente você me beijou. Seus lábios, um mundo mágico. Seu céu todo enfeitado de joias. A lua mortal. Virá, muito em breve.
O manto da noite mais uma
vez caia sobre a terra, com sua beleza gloriosa e o céu prateado de estrelas e
uma lua cheia esplendorosa. Agatha lentamente começou a despertar, se espreguiçou,
deixando seu lençol de seda escarlate cair sobre o chão. Vestia uma camisola
vermelha de renda, com algumas partes transparentes. Olhou para o teto do seu quarto, onde havia
um grande espelho e se admirou por uns instantes. Sua pele branca com o vermelho
dava um contraste bonito de se ver. Lembrou-se dos livros que lia, onde dizia
que vampiros não tinham a imagem refletida no espelho. Mas uma lenda, balela.
Tão diferente do real. Estava cansada de
ficar isolada e decidiu que essa noite sairia se não fosse para caçar ao menos
para observar as pessoas e seus hábitos noturnos.
Na
suíte do seu quarto deixou a banheira encher de água e espuma e se afundou
nela. O contato de sua pele fria, sempre fria e gélida lhe causava prazer. Após um banho demorado e de se arrumar de
forma simples, saiu da sua casa sem avisar seu criado. Sem destino, decidiu
andar pelos metros e trens de São Paulo. E acabou descendo na estação da luz,
que apesar do horário continuava movimentada. E foi na aglomeração de pessoas,
que seus ouvidos apurados ouviram a doce melodia de um piano. Fechou os olhos
para sentir a música, e podia notar que quem quer que fosse estava tocando com
paixão. Com amor. Começou andar devagar e foi de encontro ao piano. O mesmo
estava em um canto da estação. E nele havia um homem que tocava. Tinha o corpo forte, moreno, cabelos
encaracolados. O homem tocava de uma forma tão bonita. Como se só existisse ele
e o piano ali. Como se nada mais existisse, nada mais fizesse sentido. Ele
sequer olhava para algumas mulheres que suspiravam ao seu redor, o ouvindo
tocar. A vampira ficou intrigada. Aliás, tudo a intrigava nos últimos tempos. Aproximou-se
também e tentou usar do seu poder e magnetismo para que ele a olhasse, ele a
notasse e a desejasse como todos os homens.
Sim, sabia que isso aconteceria, e ela o mataria assim que notasse o
mínimo desejo no olhar dele. Estava com raiva, e os dias que passou reclusa em
sua casa a deixaram com fome. O homem,
porém apenas a olhou de soslaio e continuou a tocar como se nem a tivesse
visto. Agatha ficou surpresa, seus poderes não estavam funcionando. Mas porque
não estaria? Olhou ao redor e viu que outros homens a notavam com aquela cara
de cobiça maldita. Como se ela fosse apenas mais um pedaço de carne. Mas ela
não deu atenção a ele. Queria saber mais quem era aquele misterioso pianista. E
ficou ali o vendo tocar.
Após
algumas horas o homem se levantou e pegou o metro. Ela podia ler os pensamentos
dele. Estava ansioso para chegar em casa e contar para a sua esposa que a
editora havia aprovado seu livro. Sim, realizaria um sonho e sua esposa sempre
esteve do seu lado, o incentivando a seguir seu sonho. Era natural que ela
fosse à primeira á saber. Camile era sua fonte de inspiração, o motivo que o
fazia se levantar todos os dias e continuar. Mas algo estava errado, como um
homem podia estar pensando em uma mulher com todo aquele amor? Com honra e caráter,
amor assim sempre fora coisa das histórias da Disney, não existia príncipe encantando.
Automática lembrou-se de Gabriel e do seu sorriso de menino e alma pura.
Agatha
sabia que tudo que conheceu sobre os homens, foram coisas que Daniele passou
para ela, mas não podia esquecer o asqueroso que havia tentado estuprá-la. Mas será que por causa de alguns monstros
tinha o direito de generalizar todos que encontrava no caminho?
Seguiu
o homem até sua casa e ficou em um canto observando a mulher que o recebia na
porta de braços abertos, sorrindo e feliz. Os dois falavam baixo, mas isso não
era problema para ela. Ele não aguentou esperar e contou ali na porta mesmo que
fora aprovado e ela sorria e dizia palavras carinhosas de incentivo para
ele. Camile pediu para que ele entrasse
e tocasse para ela um pouco do piano. Agatha ainda ficou um tempo parada
ouvindo a doce melodia. Definitivamente estava enlouquecendo, precisava
compartilhar com Daniele suas descobertas. Mostrar que estavam erradas e que
não podiam matar todos os homens que viam pela frente. Muito deles tinham família,
que esperavam ansiosas pelo regresso deles ao lar. Muitos deles sentiam amor. Sim,
falaria com sua mentora. Tinha certeza que se mostrasse o pianista para ela as
coisas mudariam. Não entendia muito do passado de Daniele e o porquê ela odiava
tantos os homens, mas tinha certeza que ela não se recusaria a mudar sua forma
de enxergar se visse um home com honra a sua frente.
Agatha
saiu de lá e foi mais para o centro, próximo ao Anhangabaú, onde sabia que a
encontraria. E de fato a encontrou sentada em uma mesa de bar com quatro
garotos. Todos não aparentavam ter mais de vinte anos. Jovens, mas usuários de drogas, pelo que ela
podia sentir.
Daniele
parou de rir e flertar com os garotos na mesa quando sentiu presença dela, e
sentiu também a mente confusa. A mesma de dias atrás quando foi visitá-la e
Agatha quebrava tudo em sua sala. A olhou e com a mão fez um gesto para que ela
fosse até a mesa com eles. Agatha não queria jogos, mas também sabia que
precisava falar com sua mentora e a única forma era entrando no jogo dela. Caminhou até a mesa, puxou uma cadeira e
sentou:
-E ai
garotos, qual a boa?
Eles riram,
e um deles que parecia o mais engraçadinho e também o primeiro a morrer de
overdose ali, disse:
- A boa
é você gata! Muito gostosa.
Agatha
riu sem interesse e olhou para Daniele:
-Preciso
falar com você, é importante!
-Mas
agora?
-Sim!
-Ok,
vamos para um lugar mais reservado então. Garotos já voltamos, não morram antes
disso. Seria uma pena!
As duas
caminharam pelas ruas do centro e quando estavam perto das escadarias da
Catedral da Sé, sentaram. A noite estava
quente, carregada. As duas se entreolharam e Daniele disse:
-Vamos
ficar a noite toda em silêncio, ou você me dirá o que está acontecendo desde
aquela vez em que fui te visitar?
-Acho
que nós estamos erradas sobre a nossa ideologia sobre homens!
-Oi?
- Hoje
estava caminhando pelas estações de metrô, quando ouvi o som de um piano. Senti-me
atraída pela música e fui até o pianista. Tentei usar dos meus poderes para que
ele me notasse, me desejasse. Mas não funcionou.
-E por
que não consegue usar seus poderes, acha que estamos erradas?
- O
segui até sua casa e ouvi seus pensamentos, meus poderes não surtiram efeito
por que ele ama uma única mulher e nada no mundo o fará perder esse amor. Ele
só pensava nela, tinha o desejo de voltar para casa e se perder nos braços
dele. Ele ama, ele pode amar.
-Minha querida, ele pode até
amar, mas tenho certeza que como todos os homens, se uma mulher se jogar em cima
dele, na mesma hora esquecerá-se da outra que o aguarda em casa. Os homens são
assim.
-E por que meu poder não
funcionou sobre ele?
-Por quê? Faz dias que esta
trancada, se alimentado apenas de sangue morto e velho. Esta fraca! Faz assim
me leve até esse homem, e verá como o que digo tem razão.
-Não, você vai matá-lo.
Daniele ficou impaciente e
segurou Agatha pelo braço:
-Desde quando sente dó de
homens? Já esqueceu o que fizeram com você? E do que te salvei?
-Não, não esqueci, mas nem todos
precisam ser iguais.
A mentora suavizou a expressão e
acariciou o rosto de Agatha, passou os dedos pelo contorno dos lábios dela, e
foi descendo pelo pescoço, colo, até chegar ao seio. E abruptamente parou.
- Minha querida entendo que a
eternidade nos traz muito tempo para questionar, filosofar, entre tantas outras
coisas. E entendo que pensar é uma arma perigosa que nos confunde e nos ilude,
acabamos nos permitimos acreditar no mundo que gostaríamos que existisse. Mas não é assim. Me leve até esse homem, e eu
te mostrarei que está errada. Mas o deixarei vivo. Tudo bem?
Agatha apenas balançou a cabeça
concordando e disse para Daniele onde ela o encontraria.
-Agora voltarei para os meus garotos!
Quer se juntar a nós?
-Não, pode ir!
A mentora controlou o impulso de
pegar Agatha pelo pescoço e obrigá-la a ir. Na próxima noite iria até o
pianista misterioso e o seduziria. Tinha certeza que depois disso sua vampira
tiraria aquelas ideias insanas de amor da cabeça. Mas no momento só queria
voltar à mesa do bar e saciar sua sede com aqueles quatro garotos inúteis, que
deixou esperando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário