Era uma
noite fria e chuvosa, relâmpagos á todo momento percorriam o céu o escuro,
seguidos por estrondosos trovões. Que assustavam os mais desavisados. Gabriel havia acabado de sair do hospital onde
dera plantão nas últimas doze horas. Seu corpo estava cansado e um sono
repentino o deixava com os pensamentos lentos. Embora alguns dos seus amigos de
plantão recomendassem que ele dormisse um pouco em um dos quartos de repouso,
ele não aceitou. Queria pegar logo a estrada para chegar ao seu pequeno e
confortável chalé, onde seu filho e a mulher o esperavam. Pegou o volante e antes de dar partida, se
olhou no retrovisor. A barba por fazer, e o assombreado por baixo dos seus
olhos o deixavam com uma aparência grosseira e cansada. Mas essa foi á vida que
tinha escolhido ser médico o deixava feliz, principalmente quando podia salvar
vidas e reconhecer o agradecimento apenas de olhar nos olhos de muitos de seus pacientes.
Claro que algumas vezes o trabalho era desgastante, e ele sempre se sentia um
pouco angustiado quando perdia um de seus pacientes. Mas às vezes era inevitável.
Gabriel
deu partida no seu carro e as imagens que vinha o atormentado alguns dias repassaram
em sua mente. A garota tinha chegado ao hospital carregada pelos braços de uma
mãe desesperada, vários ferimentos pelo corpo. Suas roupas banhadas de rubro. A
mãe gritando desesperada para que alguém a ajudasse. Naquele dia, ele tinha acabado de assumir o
plantão e correu até a mãe para ver de perto o que acontecia e começar a
prestar os primeiros socorros. Olhando de perto percebeu que nada mais poderia
ser feito, que a garota jazia morta naquele colo. De qualquer forma por
procedimento checou os sinais vitais para ver se encontrava algum sinal.
Mas nada, somente a pele fria e os primeiros sinais da morte naquele pequeno
corpo. Todos os procedimentos foram
feitos e a mãe explicou que tinha encontrado a garota daquela forma em casa ao
chegar do trabalho. A polícia foi chamada e todo um inquérito ia ser aberto
para começar a investigação. Mas o pior ainda estava por vir, dois dias depois
a mãe daquela garota fora encontrada morta. Aparentemente tinha sido suicídio,
pois a encontraram pendurada por uma corda em uma das árvores próxima a entrada
da floresta da cidade. A floresta diziam
ser mal assombrada por espíritos malignos, clara conversa para assustar
criancinhas de cidades interioranas. O fato é que a estrada que levava de uma
ponta á outra daquela cidade, era por dentro dessa floresta. E como ali
aconteciam muitos acidentes de carro, os mitos foram tomando formas.
Perdido
em devaneios tomou um choque quando o clarão de mais um relâmpago, e os
grossos pingos de chuva que caiam embaçando os vidros do carro, notou uma
pequena criança parada no meio da estrada. Gritou e tentou frear, mas a estrada
lisa e molhada não ajudou. Sentiu quando seu carro sofria o impacto da batida,
segurou o volante e a derrapagem foi inevitável, caindo por um barranco. Gabriel ficou parado por um momento com o
coração acelerado e a respiração entrecortada.
Sem ferimentos graves, soltou o cinto de segurança, e forçou a janela do
carro para tentar sair. Porém não conseguiu. Soltou um xingo baixo e deu alguns
socos pensando em como sair dali. Desconfortável com a posição que se encontrava,
tentou achar seu celular. E depois de uma pequena busca, o encontrou. Olhou
para o mesmo, mas ali não havia sinal.
-Puta
que pariu!
Estava
preocupado em conseguir sair dali e ver os danos causados, não no seu carro,
mas tinha certeza que havia atropelado uma criança na estrada. Uma criança, riu
descontroladamente. Pois o nervosismo o afetava dessa forma. Mas que diabos uma
criança fazia sozinha àquela hora na estrada? Com aquela chuva torrencial?
Com o
barulho dos grossos pingos que caia, nem notou por um momento que havia
aparecido uma mulher na janela que tentará abrir a minuto atrás e batia no
vidro. Quando finalmente notou, outro susto o assaltou. A mulher tinha colado o
rosto no vidro e por Deus, parecia um fantasma de tão pálida que era. Logo depois ela sumiu por alguns instantes, e
ele sentiu leves batidas na parte de trás do seu carro. Olhou e viu o rosto
colado na janela de trás. E sorriu, claro como não havia pensando em tentar
abrir algumas das outras janelas? Quase
como um contorcionista da melhor forma conseguiu passar para o fundo do seu
carro e para sua surpresa conseguiu abrir a janela. Quando finalmente conseguiu
sair do maldito carro, percorreu o olhar em volta e nem sinal da misteriosa
mulher.
Gabriel
coçou a cabeça. È o cansaço e adrenalina estavam realmente pregando peças na
sua mente. Precisava sair logo dali, de alguma forma. Chegar à estrada e
socorrer a criança. E esperava que fosse a tempo. Não se perdoaria se algo
acontecesse. Olhando em volta percebeu que a subida do barranco não era tão íngreme
e segurando em algumas árvores conseguiria chegar tranquilamente. O que
dificultava eram as gotas de chuva, que deixavam sua visão meio turvada. Com
algum esforço, conseguiu subir o barranco e chegar à estrada. Olhou em volta e o
escuro era predominante ali. Caminhou lentamente para ver se localizava onde havia
visto a criança. Mas não conseguia enxergar e encontrar nada, só um forte breu.
Já assustado com tudo que estava acontecendo, e pensando na caminhada que teria
que enfrentar para chegar onde pudesse encontrar ajuda não notou que encostado
em uma árvore que delimitava estrada da mata, estava uma mulher o observando.
Primeiro ele ouviu o som de uma gargalha.
Deu um pulo para trás e quase caiu barranco á baixo novamente. O que estava acontecendo com ele? Não se
assustava assim tão facilmente. Provavelmente o que julgou uma gargalhada podia
ser o barulho de algum animal. Mas todos os animais provavelmente estavam
escondidos na floresta não? Se protegendo daquele tempo. Sacudiu a cabeça com
força, tentando colocar tudo no lugar. E foi ali que notou a mulher
novamente. Branca como um fantasma, o
que destacava nela era apenas os olhos. De um azul límpido. Todo o restante se
perdia em palidez. Aqueles olhos... Ele conhecia aqueles olhos de algum lugar. Estava
no hospital e em quanto checava os sinais vitais da criança que a mãe ainda
carregava no seu colo, não deixou de notar os olhos daquela pobre mãe. O olhar
implorava para que ele desse á ela um fio de esperança no qual se agarrar.
Olhos profundos de um azul tão intenso. Mesmo sabendo a dor que afligiria
aquela mulher não podia dar falsas esperanças, e apenas disse a ela em respeito
um sinto muito, a confusão se armou no hospital, gritos da mulher, a policia
chegando e ele se afastou. Mas não podia esquecer os olhos. Gabriel ficou
atormentando com aquilo, á menina morta tinha apenas três anos, a idade do seu
filho.
Mais
gargalhadas vinham da estrada e Gabriel agora já não queria mais ser racional e
uma enorme vontade de correr veio para o seu consciente. A mulher encostada na
árvore fez um pequeno movimento e se abaixou para pegar algo no chão. Parecia um pequeno embrulho e ao invés de
Gabriel correr, ele parou. Ficou congelado e tremendo já não sabia se era do
frio ou de medo. A mulher segurando o embrulho caminhou em sua direção. Tão
lentamente, como um fantasma, como a morte que se aproxima, deixando sua vítima
por alguns segundos perceber o que acontece. Quando finalmente estava próxima o
bastante, com uma voz fria e sem emoção apenas disse:
-Olhe!
No
mesmo momento ele notou e percebeu que no colo dela jazia seu filho,
ensanguentado e com vários ferimentos pelo corpo. Mais uma gargalhada foi
ouvida logo à frente e a mulher apenas disse;
- Sinto
muito – e apontou na direção contrária da estrada. Onde Gabriel viu duas
pequenas crianças de mãos dadas caminhando. Um era seu filho e outro a menina
que virá morta no hospital.
Lágrimas
começaram a correr e Gabriel em um ato desesperado e enlouquecedor começou a
correr na direção das crianças. Quando a visão de uma corda pendurada em uma
das árvores chamou sua tenção. Sim, ele sabia o que tinha que fazer.
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