domingo, 22 de junho de 2014

A estrada amaldiçoada por Camila Bernardini








                Era uma noite fria e chuvosa, relâmpagos á todo momento percorriam o céu o escuro, seguidos por estrondosos trovões. Que assustavam os mais desavisados.  Gabriel havia acabado de sair do hospital onde dera plantão nas últimas doze horas. Seu corpo estava cansado e um sono repentino o deixava com os pensamentos lentos. Embora alguns dos seus amigos de plantão recomendassem que ele dormisse um pouco em um dos quartos de repouso, ele não aceitou. Queria pegar logo a estrada para chegar ao seu pequeno e confortável chalé, onde seu filho e a mulher o esperavam.  Pegou o volante e antes de dar partida, se olhou no retrovisor. A barba por fazer, e o assombreado por baixo dos seus olhos o deixavam com uma aparência grosseira e cansada. Mas essa foi á vida que tinha escolhido ser médico o deixava feliz, principalmente quando podia salvar vidas e reconhecer o agradecimento apenas de olhar nos olhos de muitos de seus pacientes. Claro que algumas vezes o trabalho era desgastante, e ele sempre se sentia um pouco angustiado quando perdia um de  seus pacientes. Mas às vezes era inevitável.
                Gabriel deu partida no seu carro e as imagens que vinha o atormentado alguns dias repassaram em sua mente. A garota tinha chegado ao hospital carregada pelos braços de uma mãe desesperada, vários ferimentos pelo corpo. Suas roupas banhadas de rubro. A mãe gritando desesperada para que alguém a ajudasse.  Naquele dia, ele tinha acabado de assumir o plantão e correu até a mãe para ver de perto o que acontecia e começar a prestar os primeiros socorros. Olhando de perto percebeu que nada mais poderia ser feito, que a garota jazia morta naquele colo. De qualquer forma por procedimento checou os sinais vitais para ver se encontrava algum sinal. Mas nada, somente a pele fria e os primeiros sinais da morte naquele pequeno corpo.  Todos os procedimentos foram feitos e a mãe explicou que tinha encontrado a garota daquela forma em casa ao chegar do trabalho. A polícia foi chamada e todo um inquérito ia ser aberto para começar a investigação. Mas o pior ainda estava por vir, dois dias depois a mãe daquela garota fora encontrada morta. Aparentemente tinha sido suicídio, pois a encontraram pendurada por uma corda em uma das árvores próxima a entrada da floresta da cidade.  A floresta diziam ser mal assombrada por espíritos malignos, clara conversa para assustar criancinhas de cidades interioranas. O fato é que a estrada que levava de uma ponta á outra daquela cidade, era por dentro dessa floresta. E como ali aconteciam muitos acidentes de carro, os mitos foram tomando formas.
                Perdido em devaneios tomou um choque quando o clarão de mais um relâmpago, e os grossos pingos de chuva que caiam embaçando os vidros do carro, notou uma pequena criança parada no meio da estrada. Gritou e tentou frear, mas a estrada lisa e molhada não ajudou. Sentiu quando seu carro sofria o impacto da batida, segurou o volante e a derrapagem foi inevitável, caindo por um barranco.  Gabriel ficou parado por um momento com o coração acelerado e a respiração entrecortada.  Sem ferimentos graves, soltou o cinto de segurança, e forçou a janela do carro para tentar sair. Porém não conseguiu. Soltou um xingo baixo e deu alguns socos pensando em como sair dali. Desconfortável com a posição que se encontrava, tentou achar seu celular. E depois de uma pequena busca, o encontrou. Olhou para o mesmo, mas ali não havia sinal.
                -Puta que pariu!
                Estava preocupado em conseguir sair dali e ver os danos causados, não no seu carro, mas tinha certeza que havia atropelado uma criança na estrada. Uma criança, riu descontroladamente. Pois o nervosismo o afetava dessa forma. Mas que diabos uma criança fazia sozinha àquela hora na estrada? Com aquela chuva torrencial?
                Com o barulho dos grossos pingos que caia, nem notou por um momento que havia aparecido uma mulher na janela que tentará abrir a minuto atrás e batia no vidro. Quando finalmente notou, outro susto o assaltou. A mulher tinha colado o rosto no vidro e por Deus, parecia um fantasma de tão pálida que era.  Logo depois ela sumiu por alguns instantes, e ele sentiu leves batidas na parte de trás do seu carro. Olhou e viu o rosto colado na janela de trás. E sorriu, claro como não havia pensando em tentar abrir algumas das outras janelas?  Quase como um contorcionista da melhor forma conseguiu passar para o fundo do seu carro e para sua surpresa conseguiu abrir a janela. Quando finalmente conseguiu sair do maldito carro, percorreu o olhar em volta e nem sinal da misteriosa mulher.
                Gabriel coçou a cabeça. È o cansaço e adrenalina estavam realmente pregando peças na sua mente. Precisava sair logo dali, de alguma forma. Chegar à estrada e socorrer a criança. E esperava que fosse a tempo. Não se perdoaria se algo acontecesse. Olhando em volta percebeu que a subida do barranco não era tão íngreme e segurando em algumas árvores conseguiria chegar tranquilamente. O que dificultava eram as gotas de chuva, que deixavam sua visão meio turvada. Com algum esforço, conseguiu subir o barranco e chegar à estrada. Olhou em volta e o escuro era predominante ali. Caminhou lentamente para ver se localizava onde havia visto a criança. Mas não conseguia enxergar e encontrar nada, só um forte breu. Já assustado com tudo que estava acontecendo, e pensando na caminhada que teria que enfrentar para chegar onde pudesse encontrar ajuda não notou que encostado em uma árvore que delimitava estrada da mata, estava uma mulher o observando. Primeiro ele ouviu o som de uma gargalha.  Deu um pulo para trás e quase caiu barranco á baixo novamente.  O que estava acontecendo com ele? Não se assustava assim tão facilmente. Provavelmente o que julgou uma gargalhada podia ser o barulho de algum animal. Mas todos os animais provavelmente estavam escondidos na floresta não? Se protegendo daquele tempo. Sacudiu a cabeça com força, tentando colocar tudo no lugar. E foi ali que notou a mulher novamente.  Branca como um fantasma, o que destacava nela era apenas os olhos. De um azul límpido. Todo o restante se perdia em palidez. Aqueles olhos... Ele conhecia aqueles olhos de algum lugar. Estava no hospital e em quanto checava os sinais vitais da criança que a mãe ainda carregava no seu colo, não deixou de notar os olhos daquela pobre mãe. O olhar implorava para que ele desse á ela um fio de esperança no qual se agarrar. Olhos profundos de um azul tão intenso. Mesmo sabendo a dor que afligiria aquela mulher não podia dar falsas esperanças, e apenas disse a ela em respeito um sinto muito, a confusão se armou no hospital, gritos da mulher, a policia chegando e ele se afastou. Mas não podia esquecer os olhos. Gabriel ficou atormentando com aquilo, á menina morta tinha apenas três anos, a idade do seu filho.
                Mais gargalhadas vinham da estrada e Gabriel agora já não queria mais ser racional e uma enorme vontade de correr veio para o seu consciente. A mulher encostada na árvore fez um pequeno movimento e se abaixou para pegar algo no chão.  Parecia um pequeno embrulho e ao invés de Gabriel correr, ele parou. Ficou congelado e tremendo já não sabia se era do frio ou de medo. A mulher segurando o embrulho caminhou em sua direção. Tão lentamente, como um fantasma, como a morte que se aproxima, deixando sua vítima por alguns segundos perceber o que acontece. Quando finalmente estava próxima o bastante, com uma voz fria e sem emoção apenas disse:
                -Olhe!
                No mesmo momento ele notou e percebeu que no colo dela jazia seu filho, ensanguentado e com vários ferimentos pelo corpo. Mais uma gargalhada foi ouvida logo à frente e a mulher apenas disse;
                - Sinto muito – e apontou na direção contrária da estrada. Onde Gabriel viu duas pequenas crianças de mãos dadas caminhando. Um era seu filho e outro a menina que virá morta no hospital.
                Lágrimas começaram a correr e Gabriel em um ato desesperado e enlouquecedor começou a correr na direção das crianças. Quando a visão de uma corda pendurada em uma das árvores chamou sua tenção. Sim, ele sabia o que tinha que fazer.

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