domingo, 6 de julho de 2014

Route 66 por Camila Bernardini









Jonatas estava parado como de costume na praça que tinha ao lado da estação da Lapa. Olhou no relógio, quase onze horas da noite. Sabia que logo ela apareceria. E não deu outra quando percebeu vários olhares na mesma direção já sabia que ela passava. Todas as noites, sempre no mesmo horário caminhava por entre aquelas ruas imundas da Lapa, uma mulher tão diferente. De uma energia tão magnífica, atraia olhares e atenções de todos ao redor. Olhares de homens que a desejavam e de mulheres que a invejavam.
Hoje ela estava linda como todas as noites, um espartilho preto, com rendas em vermelho. Uma saia longa preta, com tule. No pescoço uma singela pedra vermelha em forma de gota. Cabelos soltos ao vento, da altura dos ombros, ondulados. Olhos firmes e fixos para frente. Era sempre assim que aquela mulher andava. Não olhava para baixo, não olhava para os lados. Muitos confundiam isso com arrogância, mas Jonatas sabia que não. Era apenas segurança dos seus passos. Segurança de que não precisava de nada. Sabia que era bela e carregava consigo um olhar tão intrigante e misterioso que muitos dariam a vida para entrar no mundo dela. Saber quem era de onde vinha, para onde ia.
Como sempre a bela mulher passou, com rosto sereno, sem expressão. Sem sorriso, sem olhares. Era como se andasse, ou melhor, flutuasse em uma passarela. Jonatas entristecido com a presença dela que já sumia nas ruas escuras teve uma ideia. Segui-la. Saber um pouco mais daquela mulher misteriosa que mexia com seus instintos. Ele ficava ali todas as noites até o horário dela passar. Mas não se contentava mais com isso, queria sentir seu perfume por mais tempo, saber seu nome e se não fosse ousadia saber o que a fazia se sentir tão segura além de toda aquela beleza inatingível.
Foi então que começo a caminhar depressa, para ficar a poucos passos de distância dela. Seu coração tremia. E foi assim uma longa caminhada que nem percebeu que há muito tinha saído daquela parte feia do bairro da Lapa e se encontrava agora na parte arborizada, com ricas casas. A sua dama caminha, passo lento e estranhamente não sentia medo de andar só àquela hora sozinha na rua? Jonas estremeceu, pensando na sua dama todos os dias fazendo esse caminho só. Estava tão perdido em seus devaneios que não percebeu que ela havia parado em um casarão e o olhava. O fitava demoradamente. Então naquele rosto belo, porém gélido e sem expressão surgiu um sorriso.
A dama misteriosa entrou no casarão e Jonatas com tristeza percebeu que mais uma noite chegava ao fim para ele e que ansiaria com outra noite, para vê-la passar. Com um sentimento de tristeza ia virando as costas quando a garagem da casa foi aberta e um carro vermelho sai de dentro. Olhou para o carro e a mulher que povoava e atordoava seus sonhos e desejo estava dentro dele. Ela abriu a janela e disse:
-Venha, vamos dar uma volta? Logo é madrugada. Odeio madrugadas solitárias.
Jonatas correu para dentro do carro, esqueceu que não a conhecia. Esqueceu que estava entrando em um mundo completamente desconhecido para ele. Suava frio, tremia. Não tinha coragem de olhar para o rosto daquela mulher.
- Ei, companhias só são boas quando de fato sentimos que elas estão presentes. Onde estão seus pensamentos?
- Desculpa senhora, é que estar no seu carro é algo imprevisível.
- Senhora? Não me faça rir! Prazer meu nome é Agatha. Se esse foi o seu desejo por que esta com medo agora?
Aquela mulher realmente tinha algo mágico. Mas como sabia que ele alimentava desejos de estar com ela um pouco mais do que apenas vê-la passar todas as noites por breves momentos na rua.
- Desejo?
- Sim, o chamei para entrar no carro e você entrou! Foi seu desejo entrar não?
- Ah
Agatha gargalhou e continuou dirigindo. No som do carro um som tocava alguma banda alemã provavelmente. Ela acelerou o carro, correndo em alta velocidade. Jonatas sentiu arrepios e lembrou-se de por o sinto de segurança. A mesma ria ainda mais. Olhou para ele divertida e disse:
- Esta com medo?
- Não senhora!
- Senhora? Você deve estar mesmo com muito medo.
Rodaram mais alguns quilômetros, quando Jonatas percebeu que estava em um camping. Achou estranho e vai ver que calculou que tivera menos tempo dentro do carro. Por que não havia nenhum camping perto da Lapa. E aquele lugar cheio de chalés, árvores e montanhas nem de perto estava próximo. Calafrio de novo, mas sabia que deveria parar de pensar bobagens. Estava tão atordoado com a presença dela que deveria não ter percebido o tempo que levaram.
- Saia do carro!
- O que? Que? Mas por que senhora?
- Quero que saia do carro e fique na frente dele.
- Não.
- Saia não seja um covarde. Odeio covardes.
Jonatas tremia tanto, mas obedeceu. Que raio por que obedecia uma mulher? Ela era linda sim, mas ele era muito mais forte e podia fazer o que bem entendesse. Mas Agatha não era qualquer mulher. Ele então foi até a frente do carro, suas pernas tremiam. Ficou ali paralisado. Percebeu que a música que tocava agora no carro estava bem alta e essa ele conhecia muito bem. Route 66 do depeche mode. Engoliu seco. Fechou os olhos e rezou baixinho.
Agatha então acelerou o carro e passou por cima dele. Sem dó, sem piedade. Sem explicação. Apenas o atropelou e gargalhava como uma desvairada. Depois deu ré e passou novamente. Fez isso por algumas vezes até que cansou, encostou o carro e desceu. Jonatas estava estirado no chão, com a respiração entrecortada. Ela o olhou. Seus olhos brilharam um ar sádico e terrível. Ela então se aproximou dele e o beijou. Um beijo gélido, como se fosse a própria morte que o beijasse. Sussurrou baixo em seu ouvido:
- Cuidado com o que deseja você pode ficar eternamente preso aos seus desejos.
E com um movimento mais brusco mordeu sua garganta. Sim agora ele sabia. Era seu sangue que ela queria. Não bastava humilhá-lo. Ia terminar com tudo ali. Jonatas sentiu sua vida de esvaindo. Fechou os olhos então e dormiu o sono dos mortos. Agatha terminou de sugar todo aquele sangue, levantou-se, limpou sua boca. Olhou para aquele corpo morto. Riu. Caminhou até o carro e foi embora

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